descrição

"Um filo-café é um triciclo. Movimenta-se pelos próprios. Não tem petróleo. A sua combustão é activada pelo desejo. Não se paga, não se paga. Apaga-se. E vem outro. Cabeças sem trono. Um filo-café lembra-se. Desaparece sem dor."

13.6.12

filo-café: electricidade (contributos)

foto: carlos silva

***

campanário luminário de pesares


Donde surge a urze e os barrocos de granito se esboroam,
Johann Sebastian Bach e Frida Kahlo exsudam um tema
 catártico de feridas e calos arcaicos na frontaria da capela

; por fora está “toda iluminada” e Edison (que traz sempre
um cristal quartzo no bolso) preferia lâmpadas económicas
ao néon azul em redor da rosácea; porém, não se despeja
no alto-falante por compaixão.

Deixo entrar o vestido, mas descoso os sapatos vermelhos
à boqueira.

Adentro está escuro
: nem candelabros poeirentos, nem velas de plástico frenético.

Farejo a pele de tronco talhado.

Acende-se um espelho no altar vazio

; um es-
pelho 
de ca-
marim,
da en-
verga-
dura de um comum (i)mortal, predestinado
à notoriedade do suplício – vão na redenção 
dos se-
te bili-
ões de 
(ir)re-
refle-
tidos
peca-
dores 
; pois,
o que
evolu-
ímos
nós
além
do plágio?

(Dadores de dores: eis o contágio.)





O tempo que foge,
(que mais não é do que o de
ambular p’lo espaço) e a gravidade
extrema lateral, que me confere às
janelas aquele semblante profundo e 
d  e  s  a  m-
parado (por um processo similar ao
 dos space shuttles) abandona-me
a ermida. Bebo d’a água benta. 
Faço o sinal do coração, sem
os joelhos em dobra,
e conecto o 
néo-cortex 
às correntes.


] interlúdio [


Introduzo cinco 
cêntimos na ranhura para a jukebox
submerjo na Mikvah batismal até à garganta
com ares de santa e “O Cravo Bem Temperado”
; espamodicamente, o espelho – agora giratório –
reflete-me as cabeças. Eletrões-livres esvoaçam
 contemporaneamente no paraíso da frequência
mais fiel ao meu Corpo, envolvido numa aura de 
magnéticas maçãs trincadas. O néon e a jukebox 
esgotam-se. Boyle dedica, pirotecnicamente, o 
“Novo Fado Alegre” a Maomé, Moisés e Mãe Maria.
Alguns sorumbáticos fundamentalistas não sucumbem 
ao vírus ecuménico desta obscura radiação; nem à fricção
do âmbar de Tales de Mileto. (Hélas!) “Palavras loiras como 
trigo” feitas de Luz, as que te digo, do cimo dos meus doze porquês
Ecoa o sino doze vezes, sem curto-circuito. Mergulho inteira e descalça
; auto-cobaia. Regresso, convicta, na Incerteza de Heisenberg; algures, sem
agenda gregoriana ou maia. Leve e voltaica – incinero
a placenta deste lado do uni-
Verso.



texto: suzana guimarens 

***


Com que então, Eletricidade

Declaração de interesses.
Primeiro, a minha formação é em línguas e literaturas modernas, ramo de germânicas; segundo, não venho veicular conteúdos que fazem parte de qualquer tese de licenciatura, mestrado ou doutoramento; terceiro, não tenho ações na REN ou na EDP ou na Martifer, muito menos na Galp, na Shell ou na BP e, finalmente, não recebi qualquer tipo de patrocínio pecuniário, cultural, literário, industrial, elétrico, eletrónico ou informático

Posto isto, vamos ao que interessa.
Presume-se que saibam que a eletricidade faz parte da natureza e que é uma das formas mais usadas de energia, que se consegue, por exemplo, a partir do carvão, do nuclear, do sol, do vento, das ondas do mar, da fricção de dínamos ou até mesmo da cera, tanto aquela que tem pavio e dá luz, como a outra que, sem pavio, não dá luz mas carrega as baterias da língua, boa ou má.
Presume-se também que saibam que raios e coriscos não precisaram da habilidade e da sapiência do Franklin e do seu papagaio para existirem, nem das capacidades e competências do Faraday e da sua gaiola, onde o papagaio do Franklin nunca entrou, e muito menos da crueldade de Edison para inventar a cadeira elétrica, a tal que sossega a consciência de muitos norte-americanos, e não só, ao limpar certas comunidades de criminosos indesejáveis.
Presume-se ainda que conheçam conceitos como corrente, - a contínua e a alterna -, eletrão, ignição, faísca, eletromagnetismo, condutividade, fluxo, tensão, fricção, fusível, voltagem, luz, calor, fogo e descarga. Para não falar do cobre, o tal que agora é roubado, de dia e de noite, para ser vendido na sucata mais próxima, à beira da estrada, ou na mais remota, no cu de Judas e posteriormente ser recuperada pelas forças da ordem, para gáudio do ministro da administração interna, estímulo dos analistas de dados e sossego de muitos munícipes.

Falemos então de eletricidade.
Da electricidade que fez mudar o verde para o vermelho e que vos obrigou a parar ali atrás, no cruzamento da 33 com a 20;
da eletricidade que carregou o vosso telemóvel, que dentro de pouco tempo vos vai dar sinal de que há uma mensagem urgente para lerdes;
da eletricidade que alimentou os holofotes e gambiarras deste palco, que foram umas vezes aplicadas e outras tantas subsituídas pelos rapazes do Teatro Popular de Espinho que tanta peça têm conseguido trazer à cena aqui em Espinho como noutras localidades do país;
da eletricidade que insiste em dar luz às lâmpadas da ode trinfal de Álvaro de Campos;
da eletricidade que coloca um bate estacas numa pool party da meia noite às 6 da manhã poum, poum, poum poum poum, a vibrar-vos as janelas e a cama onde dormis;
da eletricidade que fornece energia e luz a fábricas que produzem bombas de fragmentação patrocinadas por biliões de dólares de bancos de vários países, alguns até fazendo crer que estão em situação financeira pouco saudável para ver se recebem um bailout dos amiguinhos do costume;
da eletricidade cujos preços vão subir, avisou o Mexia. Raios o partam, o honorário dele, claro.

Estamos a falar de quê? Ah, de eletricidade. Pois continuemos.

Há 6 anos, a esmagadora maioria dos vogais com assento na Assembleia Municipal de Espinho esteve contra a redução da fatura da iluminação pública do município e, consequentemente, contra a poupança de energia e contra os objetivos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto. Ai não sabiam? Não se lembram? Eu conto tudo. Tudo começou quando o eleito pelo bloco apresentou numa 2ª feira, dia 15 de maio de 2006, uma proposta no sentido de a Câmara reduzir a fatura da iluminação pública. E como seria isso possível, perguntarão. O proponente sugeria que a câmara pedisse à EDP para, de manhã, fazer o favor de desligar a dita iluminação pública mais cedo, e, à noitinha, fazer o favor de a ligar um pouco mais tarde. Tão simples como isto. E julgam que o assunto ficou por ali? Não, senhores. A coisa era mais complicada do que pensam. O super vereador da altura, - super porque estava em todas, tinha a fama de conhecer e dominar o que na altura os especialistas chamavam dossiês - pediu para informar que a Câmara já tinha, desde outubro de 2005, um grupo de estudo a avaliar os consumos de energia a nível interno, de modo a preparar um plano para melhorar o desempenho energético da autarquia. Ninguém na Assembleia sabia disto. Haviam de ter visto as caras dos senhores vogais. Os maxilares inferiores de alguns teriam caído se não estivessem devidamente apoiados numa mão aconchegante. Concluindo a sua intervenção, o super vereador disse qualquer coisa do estilo: “A renda que a EDP paga à Câmara chega para a câmara lhe pagar o consumo da iluminação pública. E mais: a Assembleia pode muito bem apresentar e votar unanimemente esta e outras recomendações do género que a Câmara não as vais seguir porque já está a fazer o que se recomenda.”
Os eleitos pelo partido da mãozinha fechada, corroboraram a ideia, apelidando a proposta de redundante. Os eleitos pela coligação alegaram o bom funcionamento dos sensores que regulavam o ligar e o desligar da iluminação pública e questões de segurança pública para abandonar a ideia de pedir à EDP que, de manhã, desligasse as luzes mais cedo e, à noitinha, as ligasse um pouco mais tarde. O mesmo pediram os eleitos pelo partido das setinhas. Isolado naquela oca imensidão, o eleito pelo bloco retirou este ponto que tanto uredo estava a provocar, mantendo, no entanto, o outro ponto da proposta, que recomendava à Câmara que lançasse medidas para se poder poupar energia e, consequentemente, o dinheiro tão necessário para tanto projeto de encher o olho.
Finalmente, após muita parra, suor e saliva, estava encontrada uma solução redundante, inócua, esvaziada de qualquer sentido prático. Mas mesmo redundante, inócua e oca, a proposta mereceu uma abstenção e os votos contrários de dois vogais que, não saciados, fizeram questão de empanturrar a ata com declarações de voto, igualmente redundantes, inócuas e ocas, tão redondas como os preopinantes.
Assim pensava e agia a esmagadora maioria dos legítimos eleitos por Espinho. Agora é tudo diferente, tudo mudou. A eletricidade que iluminava as ruas de Espinho de há seis anos já não é a mesma que agora as ilumina. A que agora as ilumina já não tem a marca de água do Benjamim, do Faraday, do Edison e do super vereador.  O seu logotipo sugere uma barragem com assinatura de um arquiteto fashion, do regime. E insinua um tom esverdeado.

Estamos a falar de quê? Ah, de eletricidade. Pois concluamos, com uma espécie de estória, já velhinha, por acaso.

O primeiro beijo do Pedrinho foi à pála da eletricidade. Ou melhor, foi por falta dela. Trovoada súbita, salto de susto com o estrondo, e depois, no inesperado escuro de carvão,  as mãos tateando colinas e vales, os lábios unidos, a faísca, o coração a acelerar, a ribombar, cada vez mais acelerado,  a tensão, a fricção, as cabeças juntas,  a eletricidade estática dos cabelos...
Queriam mais? Acendam a luz!

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texto: Octávio Lima

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foto: rui maia



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