descrição

"Um filo-café é um triciclo. Movimenta-se pelos próprios. Não tem petróleo. A sua combustão é activada pelo desejo. Não se paga, não se paga. Apaga-se. E vem outro. Cabeças sem trono. Um filo-café lembra-se. Desaparece sem dor."

9.11.10

filo-café: sacroprofano (contributos)



Contributos:



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afl

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joão madureira

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elisabete pires monteiro

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andré da graça

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ana luísa monteiro

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carlos silva

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1. sagrado


2. mundano

ana maria borges

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dinis ponteira

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fernando ribeiro

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rui maia
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"Sorrow"


rosanegra

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"Vivo sen viver en min!"



cruz martinez vilas

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"Culto ao Divino"





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Uma oração sofridamente fodida…

Foda-se, está tudo incompleto. Está tudo incompleto. Foda-se. A vida está irremediavelmente incompleta. Dizem que a vida se completa na morte. Ora foda-se, a vida é o contrário da morte. E a morte é o contrário da vida. E o contrário do contrário é a origem da vida. Não há dicotomia mais absurda. Para além de tudo, Deus fez da morte a sua vingança. Deixemos a ergonomia de Deus em paz. Deixemos a insolvência da eternidade em paz. Deixemos a economia das almas em paz. Deixemos o desespero da paz em paz. Deixemos todas as desilusões em paz. Deixemos a santíssima trindade em paz. Deixemos a guerra em paz. Deixemos a guerra em paz. Deixemos a guerra em paz. Deixemos em paz a brutalidade inusual de um coito severo. Deixemos em paz a virtude de um orgasmo múltiplo e de uma ejaculação precoce. Deixemos em paz as raras ejaculações tardias e os orgasmos funcionais. Deixemos definitivamente em paz a fertilização em vítreo. Deus, dizem os profetas, quis a vontade dominada pela crença. Deus, dizem os teólogos encartados, quis os homens dominados e santos e responsáveis e obedientes e respeitadores e simples e inteligentemente obsessivos pelos gestos simbólicos da abdicação. Deus quer existir na dissidência humana da vacuidade. Deus é um momento eterno. Deus deixou de ser verdadeiro a partir do momento em que me fez mortal. Deus teve o descaramento de se travestir de serpente. Foda-se, Deus teve de se disfarçar de animal rastejante para nos condenar à condição humana. Deus não desiste da paz em favor da guerra nem da guerra a favor da paz. Deus não desiste da necessidade urgente de ser uma desilusão cada vez mais urgente e insurgente e insolvente e incipiente. Deus fodeu-nos definitivamente a vida eterna afirmando com língua de fogo que era isso que nos oferecia em troca de lhe sermos fiéis. E se há coisa que seja verdadeiramente humana é que os homens são féis a Deus. Muito mais fiéis que Deus o é em relação aos homens e à sua nua humanidade. O Deus de todas as coisas é cada vez mais um Deus de coisa nenhuma.

João Madureira

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Arboreto


Vem vindo devagar o rolo negro

o odor acre em volutas que o nariz persegue

salpicos de cinza depositam-se no terraço

entram fagulhas pelo quarto dentro

seguindo uma nuvem chamuscada de borboletas.


Os carvoeiros agacham-se atrás das choças

aterrados.

Os jardineiros preparam baldes

os lenhadores atentam no fio dos machados.


A colcha branca da cama

manchada com um crime alheio

afinal nosso

é de todos o crime

com mata em chamas ou rios pútridos

todos somos criminosos:

carvoeiros jardineiros rachadores e

lenhadores

e paisanos de outros orientes.


Erguem-se gritos sob a ameaça

o fogo tão próximo das casas

uivam cães

os lobos já não existem

e as lagartixas correndo loucamente

em busca de um buraco no chão

ocupado já por escaravelhos

uma cobra aflita

e outros animais que buscam salvação

mas voltam para trás

acabando

predador e presa

por partilhar a mesma lura subterrânea

enquanto no mundo dos homens

lavrar mais escândalo ainda do que flamas.


A mãe Gaia agarra-nos agora pelos pés

sem raivas sem espírito de vingança

não é sequer um julgamento

apenas o resultado da nossa ganância.

Piores somos que animais

bestas sem raciocínio nem piedade

merecíamos tribunal e essa imagem de Salomão

a espada na mão direita

a ameaçar a criança suspensa

da mão esquerda.

Mas não temos aqui nenhum tribunal

nem juízes cruéis

justos ou santos.

Gaia é um superorganismo

Terra-Mater

Magnificente, ó Sublime e Sereníssima

Mãe de toda a gente

rogai por nós!

Gaia ignora sentimentos

não conhece a raiva o ódio a arrogância

não sabe o que é a vingança.

O eterno riso na boca

dá-nos

sem cobrar o troco do mal que lhe infligimos

lenha para nos queimarmos.


Os carvoeiros agacham-se atrás das choças

aterrados.

Os jardineiros preparam baldes de água

para apagar o incêndio

os lenhadores atentam no fio dos machados.


Não há salvação para o povo da floresta.

Sem árvores não se forma oxigénio

resta-nos morrer asfixiados.


Maria Estela Guedes.

Extraído do livro Arboreto (inédito)





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