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"Um filo-café é um triciclo. Movimenta-se pelos próprios. Não tem petróleo. A sua combustão é activada pelo desejo. Não se paga, não se paga. Apaga-se. E vem outro. Cabeças sem trono. Um filo-café lembra-se. Desaparece sem dor."

22.9.12

filo-café internidade: contributos (2)



Da possibilidade da internidade



As novas palavras estão para a língua como as mutações genéticas estão para a biologia, fazem parte da permanente evolução e tanto podem durar milénios como somente o momento da sua criação. São também um factor da própria evolução. Surgem por mil e uma razões, por raiva, por gozo e muitas vezes pela necessidade de enunciar uma ideia ou designar um objecto, quando ainda não existe uma palavra correspondente. É simples de imaginar que as palavras telefone ou televisão só tenham surgido depois da criação destes curiosos objectos. É também assim a génese da linguagem na criança. Esta começa por compreender mais do que consegue exprimir. Portanto, o conteúdo precede a sua expressão.
E o contrário, será possível? Será imaginável encontrar-se um sentido para uma palavra que ainda o não tenha? E internidade será mesmo uma palavra? Parece que não é, pois nada significa. Então, o quê é? Sons articulados. Porém, internidade ecoa a qualquer coisa, pede um significado, o qual deverá surgir, a meu ver, não através de um percurso semântico, dada a inexistência de um conteúdo dizível, mas de analogias fonéticas.
Se um grupo de InComuns se juntasse numa praça dando vivas à internidade, quem passasse, para além de se questionar sobre a saúde mental ou a religiosidade dos manifestantes, ouviria vivas à eternidade. Coisa com a qual a internidade não pode ter nada a ver. Internidade remete para a intestinidade, para o seu de cada um. Não equivale ao eu, não é o self, nem o adjectivo substantivado pela psicanálise, o inconsciente e também não equivale ao insight.
Proponho que internidade seja o lado interior de cada um, que cada pessoa em parte desconhece, podendo ser mais visível aos olhos dos outros e que caracteriza cada ser humano. Dir-se-á, mas para isso já existe uma palavra, personalidade. Porém, a noção de personalidade implica a existência de muitos traços comuns a todos os seres humanos, o que é verdade, e é da multiplicidade de incontáveis combinações e variações que resulta uma determinada persona. A internidade será um conceito menos extenso e menos claro. É o que é incomum, recôndito e próprio de cada um. É o que nos representa por dentro e nos individualiza a todos. É o que faz com que um poema possa conter coisas desconhecidas para o seu autor. É o que faz com que pessoas muito parecidas possam não se encaixar e que as mais distintas se possam conjugar. 

José Leal de Loureiro

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