Da possibilidade da internidade
As novas palavras estão para a língua
como as mutações genéticas estão para a biologia, fazem parte da permanente
evolução e tanto podem durar milénios como somente o momento da sua criação.
São também um factor da própria evolução. Surgem por mil e uma razões, por
raiva, por gozo e muitas vezes pela necessidade de enunciar uma ideia ou
designar um objecto, quando ainda não existe uma palavra correspondente. É
simples de imaginar que as palavras telefone ou televisão só tenham surgido
depois da criação destes curiosos objectos. É também assim a génese da
linguagem na criança. Esta começa por compreender mais do que consegue
exprimir. Portanto, o conteúdo precede a sua expressão.
E o contrário, será possível?
Será imaginável encontrar-se um sentido para uma palavra que ainda o não tenha?
E internidade será mesmo uma palavra? Parece que não é, pois nada significa.
Então, o quê é? Sons articulados. Porém, internidade ecoa a qualquer coisa,
pede um significado, o qual deverá surgir, a meu ver, não através de um
percurso semântico, dada a inexistência de um conteúdo dizível, mas de
analogias fonéticas.
Se um grupo de InComuns se juntasse numa praça dando
vivas à internidade, quem passasse, para além de se questionar sobre a saúde
mental ou a religiosidade dos manifestantes, ouviria vivas à eternidade. Coisa
com a qual a internidade não pode ter nada a ver. Internidade remete para a
intestinidade, para o seu de cada um.
Não equivale ao eu, não é o self, nem o adjectivo substantivado pela
psicanálise, o inconsciente e também não equivale ao insight.
Proponho que internidade seja o
lado interior de cada um, que cada pessoa em parte desconhece, podendo ser mais
visível aos olhos dos outros e que caracteriza cada ser humano. Dir-se-á, mas
para isso já existe uma palavra, personalidade. Porém, a noção de personalidade
implica a existência de muitos traços comuns a todos os seres humanos, o que é
verdade, e é da multiplicidade de incontáveis combinações e variações que
resulta uma determinada persona. A internidade será um conceito menos extenso e
menos claro. É o que é incomum, recôndito e próprio de cada um. É o que nos
representa por dentro e nos individualiza a todos. É o que faz com que um poema
possa conter coisas desconhecidas para o seu autor. É o que faz com que pessoas
muito parecidas possam não se encaixar e que as mais distintas se possam
conjugar.
José
Leal de Loureiro
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