foto: carlos silva
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campanário luminário de
pesares
Donde surge a urze e os barrocos de granito se esboroam,
Johann Sebastian Bach e Frida Kahlo exsudam um tema
catártico de feridas e calos arcaicos na frontaria da capela
; por fora está “toda iluminada” e Edison (que traz sempre
um cristal quartzo no bolso) preferia lâmpadas económicas
ao néon azul em redor da rosácea; porém, não se despeja
no alto-falante por compaixão.
Deixo entrar o vestido, mas descoso os sapatos vermelhos
à boqueira.
Adentro está escuro
: nem candelabros poeirentos, nem velas de plástico frenético.
Farejo a pele de tronco talhado.
Acende-se um espelho no altar vazio
; um es-
pelho
de ca-
marim,
da en-
verga-
dura de um comum (i)mortal, predestinado
à notoriedade do suplício – vão na redenção
dos se-
te bili-
ões de
(ir)re-
refle-
tidos
peca-
dores
; pois,
o que
evolu-
ímos
nós
além
do plágio?
(Dadores de dores: eis o contágio.)
O tempo que foge,
(que mais não é do que o de
ambular p’lo espaço) e a gravidade
extrema lateral, que me confere às
janelas aquele semblante profundo e
d e s a m-
parado (por um processo similar ao
dos space shuttles) abandona-me
a ermida. Bebo d’a água benta.
Faço o sinal do coração, sem
os joelhos em dobra,
e conecto o
néo-cortex
às correntes.
] interlúdio [
Introduzo cinco
cêntimos na ranhura para a jukebox;
submerjo na Mikvah batismal até à garganta
com ares de santa e “O Cravo Bem Temperado”
; espamodicamente, o espelho – agora giratório –
reflete-me as cabeças. Eletrões-livres esvoaçam
contemporaneamente no paraíso da frequência
mais fiel ao meu Corpo, envolvido numa aura de
magnéticas maçãs trincadas. O néon e a jukebox
esgotam-se. Boyle dedica, pirotecnicamente, o
“Novo Fado Alegre” a Maomé, Moisés e Mãe Maria.
Alguns sorumbáticos fundamentalistas não sucumbem
ao vírus ecuménico desta obscura radiação; nem à fricção
do âmbar de Tales de Mileto. (Hélas!) “Palavras
loiras como
trigo” feitas de Luz, as que te digo, do cimo dos
meus doze porquês.
Ecoa o sino doze vezes, sem curto-circuito. Mergulho inteira e descalça
; auto-cobaia. Regresso, convicta, na Incerteza de Heisenberg;
algures, sem
agenda gregoriana ou maia. Leve e voltaica – incinero
a placenta deste lado do uni-
Verso.
texto: suzana guimarens
***
Com que então, Eletricidade
Declaração de interesses.
Primeiro, a minha formação é em línguas e literaturas
modernas, ramo de germânicas; segundo, não venho veicular conteúdos que fazem
parte de qualquer tese de licenciatura, mestrado ou doutoramento; terceiro, não
tenho ações na REN ou na EDP ou na Martifer, muito menos na Galp, na Shell ou
na BP e, finalmente, não recebi qualquer tipo de patrocínio pecuniário,
cultural, literário, industrial, elétrico, eletrónico ou informático
Posto isto, vamos ao que interessa.
Presume-se que saibam que a eletricidade faz parte da
natureza e que é uma das formas mais usadas de energia, que se consegue, por
exemplo, a partir do carvão, do nuclear, do sol, do vento, das ondas do mar, da
fricção de dínamos ou até mesmo da cera, tanto aquela que tem pavio e dá luz,
como a outra que, sem pavio, não dá luz mas carrega as baterias da língua, boa
ou má.
Presume-se também que saibam que raios e coriscos não
precisaram da habilidade e da sapiência do Franklin e do seu papagaio para
existirem, nem das capacidades e competências do Faraday e da sua gaiola, onde
o papagaio do Franklin nunca entrou, e muito menos da crueldade de Edison para
inventar a cadeira elétrica, a tal que sossega a consciência de muitos
norte-americanos, e não só, ao limpar certas comunidades de criminosos
indesejáveis.
Presume-se ainda que conheçam conceitos como corrente, - a
contínua e a alterna -, eletrão, ignição, faísca, eletromagnetismo, condutividade,
fluxo, tensão, fricção, fusível, voltagem, luz, calor, fogo e descarga. Para
não falar do cobre, o tal que agora é roubado, de dia e de noite, para ser
vendido na sucata mais próxima, à beira da estrada, ou na mais remota, no cu de
Judas e posteriormente ser recuperada pelas forças da ordem, para gáudio do
ministro da administração interna, estímulo dos analistas de dados e sossego de
muitos munícipes.
Falemos então de eletricidade.
Da electricidade que fez mudar o verde para o vermelho e que
vos obrigou a parar ali atrás, no cruzamento da 33 com a 20;
da eletricidade que carregou o vosso telemóvel, que
dentro de pouco tempo vos vai dar sinal de que há uma mensagem urgente para lerdes;
da eletricidade que alimentou os holofotes e gambiarras
deste palco, que foram umas vezes aplicadas e outras tantas subsituídas pelos
rapazes do Teatro Popular de Espinho que tanta peça têm conseguido trazer à
cena aqui em Espinho como noutras localidades do país;
da eletricidade que insiste em dar luz às lâmpadas da ode
trinfal de Álvaro de Campos;
da eletricidade que coloca um bate estacas numa pool
party da meia noite às 6 da manhã poum, poum, poum poum poum, a vibrar-vos as
janelas e a cama onde dormis;
da eletricidade que fornece energia e luz a fábricas que
produzem bombas de fragmentação patrocinadas por biliões de dólares de bancos
de vários países, alguns até fazendo crer que estão em situação financeira
pouco saudável para ver se recebem um bailout dos amiguinhos do costume;
da eletricidade cujos preços vão subir, avisou o Mexia.
Raios o partam, o honorário dele, claro.
Estamos a falar de quê? Ah, de eletricidade. Pois
continuemos.
Há 6 anos, a esmagadora maioria dos vogais com assento na
Assembleia
Municipal de Espinho esteve contra a redução da fatura da iluminação
pública do município e, consequentemente, contra a poupança de energia e contra
os objetivos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto.
Ai não sabiam? Não se lembram? Eu conto tudo. Tudo começou quando o eleito pelo
bloco apresentou numa 2ª feira, dia 15 de maio de 2006, uma proposta no sentido
de a Câmara reduzir a fatura da iluminação pública. E como seria isso possível,
perguntarão. O proponente sugeria que a câmara pedisse à EDP para, de manhã,
fazer o favor de desligar a dita iluminação pública mais cedo, e, à noitinha, fazer
o favor de a ligar um pouco mais tarde. Tão simples como isto. E julgam que o
assunto ficou por ali? Não, senhores. A coisa era mais complicada do que
pensam. O super vereador da altura, - super porque estava em todas, tinha a
fama de conhecer e dominar o que na altura os especialistas chamavam dossiês - pediu
para informar que a Câmara já tinha, desde outubro de 2005, um grupo de estudo
a avaliar os consumos de energia a nível interno, de modo a preparar um plano
para melhorar o desempenho energético da autarquia. Ninguém na Assembleia sabia
disto. Haviam de ter visto as caras dos senhores vogais. Os maxilares
inferiores de alguns teriam caído se não estivessem devidamente apoiados numa
mão aconchegante. Concluindo a sua intervenção, o super vereador disse
qualquer coisa do estilo: “A renda que a EDP paga à Câmara chega para a
câmara lhe pagar o consumo da iluminação pública. E mais: a Assembleia pode
muito bem apresentar e votar unanimemente esta e outras recomendações do género
que a Câmara não as vais seguir porque já está a fazer o que se recomenda.”
Os eleitos pelo partido da mãozinha fechada, corroboraram
a ideia, apelidando a proposta de redundante. Os eleitos pela coligação alegaram
o bom funcionamento dos sensores que regulavam o ligar e o desligar da
iluminação pública e questões de segurança pública para abandonar a ideia de
pedir à EDP que, de manhã, desligasse as luzes mais cedo e, à noitinha, as
ligasse um pouco mais tarde. O mesmo pediram os eleitos pelo partido das
setinhas. Isolado naquela oca imensidão, o eleito pelo bloco retirou este ponto
que tanto uredo estava a provocar, mantendo, no entanto, o outro ponto da
proposta, que recomendava à Câmara que lançasse medidas para se poder poupar energia
e, consequentemente, o dinheiro tão necessário para tanto projeto de encher o
olho.
Finalmente, após muita parra, suor e saliva, estava
encontrada uma solução redundante, inócua, esvaziada de qualquer sentido
prático. Mas mesmo redundante, inócua e oca, a proposta mereceu uma abstenção e
os votos contrários de dois vogais que, não saciados, fizeram questão de
empanturrar a ata com declarações de voto, igualmente redundantes, inócuas e
ocas, tão redondas como os preopinantes.
Assim pensava e agia a esmagadora maioria dos legítimos
eleitos por Espinho. Agora é tudo diferente, tudo mudou. A eletricidade que
iluminava as ruas de Espinho de há seis anos já não é a mesma que agora as
ilumina. A que agora as ilumina já não tem a marca de água do Benjamim, do
Faraday, do Edison e do super vereador.
O seu logotipo sugere uma barragem com assinatura de um arquiteto
fashion, do regime. E insinua um tom esverdeado.
Estamos a falar de quê? Ah, de eletricidade. Pois concluamos,
com uma espécie de estória, já velhinha, por acaso.
O primeiro beijo do Pedrinho foi à pála da eletricidade. Ou
melhor, foi por falta dela. Trovoada súbita, salto de susto com o estrondo, e
depois, no inesperado escuro de carvão,
as mãos tateando colinas e vales, os lábios unidos, a faísca, o coração
a acelerar, a ribombar, cada vez mais acelerado, a tensão, a fricção, as cabeças juntas, a eletricidade estática dos cabelos...
Queriam mais? Acendam a luz!
***
texto: Octávio Lima
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